segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

A semiótica da montagem: como a edição cria compreensão

 

Compreender a montagem é compreender como os filmes pensam. Cada plano é um signo, e cada corte é um ato de interpretação. Em termos semióticos, as imagens captadas pela câmera funcionam como traços do mundo — fragmentos que apontam para algo além do enquadramento. Quando esses fragmentos são organizados em sequência, formam uma lógica simbólica que orienta a compreensão do espectador. A montagem não é apenas o encaixe técnico de planos; é um processo cognitivo por meio do qual a percepção se transforma em significado.

Cada plano oferece apenas uma visão parcial da realidade. Ele mostra um instante, um gesto, um fragmento que não pode expressar plenamente o todo do qual foi retirado. A edição cria a ponte entre essas partes. Quando uma imagem sucede outra, novas conexões emergem — conexões que não estavam presentes em nenhum plano isolado. O sentido não nasce das imagens em si, mas de suas relações, inferidas pelo espectador no ato de assistir. A montagem funciona como o fio invisível que costura os fragmentos em uma coerência.

Isso torna o espectador um participante ativo na construção da narrativa. A mente preenche lacunas, imagina o que está fora do quadro e interpreta as associações sugeridas pelos cortes. O som intensifica esse processo interpretativo: enquanto as imagens frequentemente fragmentam o espaço, o som o unifica, estendendo o mundo para além do que é mostrado. A combinação de imagens descontínuas e som contínuo produz uma unidade sensorial e conceitual que permite à narrativa se desenvolver de forma fluida.

A montagem também se alinha aos mecanismos naturais do pensamento. Estamos constantemente conectando eventos por contiguidade — isto acontece depois daquilo — e por semelhança — isto se parece com aquilo. A edição se apropria dessas tendências cognitivas, incentivando o espectador a formar associações que conduzem à compreensão. Seja por meio de cortes rítmicos, justaposições simbólicas ou estruturas paralelas, a montagem imita as operações da mente ao organizar a experiência.

Dessa forma, a montagem torna-se a ferramenta central do cinema para a produção de sentido. Ela guia a percepção, constrói emoção e transforma fragmentos dispersos em narrativas expressivas. Por meio da edição, o cinema torna-se não apenas uma arte de mostrar, mas uma arte de pensar.


Leia mais em: Cinema e semiótica: a construção sígnica do discurso cinematográfico e DO TEU OLHO SOU O OLHAR: sobre intenções, mediações e diálogos no cinema

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